Transporte Privado, Desrespeito Público

O transporte é público, pois precisa da concessão do Estado e é de uso geral da população. Mas público, não gratuito. E assim os governistas se livram das despesas da manutenção, dá ao povo o transporte, e torna o “privado” uma elipse. Ao menos para ele, porque na catraca todo passageiro sabe que o canto da sereia é outro.

O Distrito Federal conta com 5 bacias. Essas bacias são regiões, e para cada uma deles há uma empresa rodando. Ou Seja, a Bacia 1 é da Viação Piracicabana, uma empresa paulista, antiquíssima. Essa empresa faz o transporte da Octogonal, passando pelo Plano, e segue até Sobradinho.

Outras duas empresas também são de outras regiões: Marechal curitibana e responsável pela Bacia 4; e São José, empresa de Fortaleza responsável pela Bacia 5. As Bacias 1 e 2 são respectivamente das empresas Pioneira e Urbi.

Todas essas empresas precisam de uma concessão do governo. Então, de acordo com a vontade da administração, são abertos editais e os interessados se manifestam. Algumas dessas concessões chegam a ter prazo de 10 anos prorrogável pelo mesmo prazo. Ou seja, na melhor das hipóteses, a mesma concessão pode perdurar por 3 mandatos de governadores – talvez 4.

Mas qual a importância de se discutir isso? Simples, existem empresas a que são delegadas a exploração de serviço básico rodoviário. Faço questão de frisar o básico, pois é sinônimo de essencial. E esse adjetivo é o que representa o transporte público para o cidadão comum. Independente de renda.

A classe social é uma questão de baliza, mas não é essencial. Já que nos metrôs e ônibus é possível ver várias classes sociais. E para os abastados que discordam, basta questionar, será que os filhos da classe média, ou superiores, que ainda não possuem idade para dirigir não usam o transporte coletivo? Talvez não faça uso constante, mas e o uso esporádico?

Sem o transporte público a cidade ficaria caótica, basta olhar o crescimento da frota de carros do DF que desde os anos 2000 aumenta todos os anos. Nos últimos 14 anos a frota de veículos apresentou um crescimento em torno de 300%. Ou seja, sem o transporte público as pessoas ficam obrigadas a usar seus carros. E o que acontece durante as greves dos rodoviários e metroviários deixa bem claro que Brasília além da empresa paulista, adotaria seu trânsito fadado a lentidões. Caso abolisse o transporte público.

Acabar com o transporte público é inviável, e o governo alega que o custo de uma transição de um sistema privado para um sistema realmente público é muito caro. E abaixar a tarifa para um valor que seja condizente com a realidade salarial brasileira é algo que toca o bolso das empresas. Mas se levarmos em conta um trabalhador que ganha um salário-mínimo (R$ 788,00) gasta por mês 15% do seu salário justamente para ir trabalhar, percebemos: quem realmente está tendo o bolso remexido é o cidadão.

É claro que existe o vale-transporte para suprir essa demanda e aliviar para o trabalhador. Mas esse fato apenas representa um remanejamento da despesa para o empregador, o que torna custoso manter o funcionário, já que apenas salário e transporte sem os outros benefícios e etc. Somam 908 reais.

Grandes empresas talvez gostassem de diluir essa despesa, mas caso não queiram, os lojistas micro e pequenos empresários, com certeza querem. É uma solução capitalista para uma questão social. Uma mudança de ótica e percebemos que existe uma possibilidade inclusive de arrecadar desses setores mais abastados para financiar um transporte público e gratuito. Fazendo com que parte desses gastos deixassem de ser abatidos no imposto de renda, e fossem remanejados.

A realidade em sua forma bruta é apenas uma: como direito, o transporte deveria ser gratuito. Afinal, são os trabalhadores quem fazem maior uso. Se não é possível assim fazê-lo, por que não fazê-lo gratuito de 6 da manhã à meia-noite e pago durante o outro período? O que não faltam são possibilidades para ajudar o estado a custear o transporte.

Não sei já perceberam, mas em Brasília o transporte gratuito já é realidade para alguns setores. Os estudantes são o exemplo mais claro atualmente, já que com o auxílio do passe estudantil são isentos das passagens. O Veículo Leve sobre Pneus que liga Gama e Santa Maria ao Plano Piloto são outro exemplo. Além dos senhores com mais de 65 anos, que também tem gratuidade. Todos os exemplos funcionam muito bem, e provam que o modelo gratuito pode ser implantado.

Mas é claro que a questão orçamentária jamais há de permitir a implantação de um transporte gratuito – ao menos, é o que dizem as respostas na ponta da língua dos administradores. Fatores politiqueiros provavelmente influenciem essas questões. Ou apenas a vontade do governador não vá de encontro com esse direito, que deveria ser garantia fundamental, do cidadão.

Uma reforma política e algumas ações mínimas, como o fim do financiamento privado de campanha, podem amenizar essas questões e tornar a ideia de gratuidade uma realidade fadada a acontecer. Assim como muitas outras melhorias dentro dos setores político-administrativos e econômicos da sociedade.

Enquanto isso, resta apenas em primeiro lugar propor um modelo, questionar o modelo vigente, e cobrar dos nossos dirigentes ações que vão de encontro com a realidade que nos é apresentada. Com os pés no chão conseguimos construir juntos.

Outra possibilidade de remanejamento de verba podem provir do DETRAN. Afinal o valor das multas subiu no corrente ano. E foi um aumento vertiginoso. Se na transparência do Detran de 2014 foram arrecadados por volta de 100 milhões apenas com multas, quanto será arrecadado no presente ano? Então, por quê não fazer um remanejamento da verba para custear o transporte público, e gratuito?

Perguntemos ao administrador, e sintamos que a pergunta voou para o vazio. Mas apesar de todas as propostas que possamos fazer, tem um fato, que fomenta todos esses questionamentos, uma concessão. Especificamente a concessão feita à empresa Viação Piracibana com prazo de vigência de 10 anos (prorrogável por mais 10). Até aí, tudo bem. O extrato da concessão saiu no Diário Oficial do Distrito Federal (DODF) de 5 de junho de 2013, e consta que o “valor do contrato” é de um bilhão, quatrocentos e quinze milhões, setecentos e vinte nove mil, quatrocentos e cinquenta reais e dezessete centavos (R$ 1.415.729450,17).

No DODF até consta um trema no “cinquenta”, coisa que a nova regra ortográfica não permite. E sinceramente, quem treme não é o cinquenta. Com esse valor, quem treme somos nós, o povo.